Mian Wakeel Uddin
Nas últimas semanas, a Turquia foi sacudida pela maior investigação de corrupção do país que levou à detenção de pessoas influentes do partido governante, AKP. Como consequência, oficiais de alta patente da polícia e judiciário, em Ankara e Istambul, foram dispensados pelo governo por “abuso de poder”. O primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, rotulou a investigação de “operação suja” com ligações internacionais para minar a crescente economia turca e derrubar o governo eleito.
Além de culpar agentes internos e externos, o Primeiro-Ministro Tayyip Erdogan, erroneamente, relacionou o episódio dramático a um organizado movimento social islâmico liderado pelo (mundialmente famoso) erudito religioso, pensador e educador M. Fethullah Gülen, popularmente chamado por seus seguidores de “Hoca Efendi” numa demonstração de afeto. Primeiro-Ministro Erdogan parece estar em disputa pelo poder contra seu ex-aliado político Gülen - que vive em autoexílio na Pensilvânia, EUA -, cujos simpatizantes, de acordo com fontes seguras do governo, supostamente ocupam posições-chave na força policial e judiciário. Representantes do governo, recentemente, acusaram Gülen de tentar estabelecer um “Estado paralelo” dentro do governo turco.
O Movimento Hizmet, nome utilizado pelos seguidores de Gülen, no passado, apoiou o partido AKP liderado por Erdogan e teve papel importante em proteger a carreira política deste. Dez anos atrás, Tayyip Erdogan mudou a política turca ao fazer uma aliança não oficial com empresários, a classe trabalhadora e facções religiosas, incluindo seguidores de Gülen. Essa grande base de apoio garantiu ao Sr. Erdogan vitória em três eleições gerais consecutivas. Permitiu que ele sobrevivesse à duas semanas de (desorganizados) protestos populares em junho de 2013. O Movimento o ajudou a tomar as rédeas das forças militares que derrubaram quatro governos eleitos em quarenta anos. No entanto, recentemente, Tayyip Erdogan alienou um elemento crucial dessa aliança – o Movimento Gülen. Essa contenda pode representar uma ameaça à ambição não declarada de Tayyip Erdogan de concorrer à presidência em 2014, pode ser prejudicial à imagem turca na comunidade internacional e ter amplas ramificações.
A linguagem beligerante e ofensiva usada por Tayyip Erdogan, em sua campanha eleitoral, contra Gülen e seu movimento não apenas é contra as normas das leis internacional e local, mas também contra a ética política. Os respeitosos objetivos do movimento educador e reformador de Gülen são autoexplicativos e explicitamente contradizem as acusações lançadas contra a estatura internacional de Gülen e do Movimento.
Dado meu íntimo contato com o Movimento e alguns encontros de trabalho que tive com seus seguidores na Turquia, África e Paquistão, gostaria de compartilhar minhas opiniões sobre os aspectos sociais e educacionais do Movimento e a esfera de influência criada por ele em nível global.
O Movimento Gülen é um caso único de inovação social global baseado em vários aspectos da educação e diálogo interreligioso. Parte vital dos projetos de sociedade civil coordenados pelo Movimento Gülen é educação. Seguidores de Gülen abriram mais de 1.000 escolas em todo o mundo, da Ásia à África, dos EUA à Europa e essas instituições continuam a atrair muita atenção da mídia local e dos países em que se encontram devido a seu sucesso e performance em competições internacionais de ciências e nas Olimpíadas Turcas. Os seguidores do Movimento que trabalham dentro da estrutura de pensamento de Gülen são vistos como pessoas exemplares, onde quer que estejam, por seu caráter correto, alto nível de moralidade e valores humanos, além de sua proficiência profissional.
Defendendo princípios de diversidade, amor e diálogo, Gülen conta com a participação voluntária de pessoas de diversas origens, ideologias, nacionalidades, classes sociais, raças e religiões em todo o mundo. O grupo de Gülen propõe um modelo de parceria espiritual e trabalho conjunto baseado em paixão e idealismo, objetivos globais de amor interreligioso e intercultural, cooperação e visão multidimensional sobre valores universais. O objetivo final desse padrão de educação e diálogo interreligioso e intercultural é a paz universal, como sonhado por Gülen.
O Sr. Gülen se tornou um modelo não apenas para os turcos, mas também para milhões de pessoas vivendo em diferentes partes do mundo. Seus ensinamentos inspiraram centenas de milhares de pessoas a trabalhar pela educação global, paz universal e propagação da tolerância. Essas pessoas não têm ou compartilham uma missão religiosa, ao contrário, são profissionais e voluntários trabalhando por uma causa nobre: educar a juventude. No entanto, elas vivenciam uma espiritualidade profunda, intensiva e central em suas vidas e trabalho, além disso, compartilham valores humanísticos, ideais e paixão. O Movimento obtém muito de seu apoio de jovens urbanos, com apelo especial a professores, estudantes e outros profissionais. Ele cresceu, em parte, por patrocinar dormitórios para estudantes, acampamentos de verão, colégios, universidades, escolas de línguas, entidades culturais, organizações de diálogo interreligioso e ONGs. O que faz Gülen único é que ele conseguiu: persuadir e mobilizar muitos jovens ao redor do mundo a estabelecerem instituições educacionais e civis; pôr em prática seu discurso sobre valores globais; realizar seu ideal de criar uma “geração dourada” e alcançar paz universal.
O entendimento de Gülen sobre dever e serviço à humanidade – especialmente nos campos da educação e diálogo interreligioso – não permite qualquer expectativa de ganho material ou político. Sua filosofia de educação não é utilitária ou uma atividade social/política que pode ser separada do resto de sua filosofia ou fé, mas, sim, um componente firmemente integrado à sua visão de mundo. Gülen diz que os meios devem ser tão válidos quando os fins e que sucesso aparente ou material não é a única medida. O propósito do Movimento Gülen é garantir respeito por objetivos e valores humanos universais, nunca ter motivos para buscar interesses materiais nem impor qualquer ideologia ou tomar o poder por meios políticos em qualquer país.
Ao se observar a dura realidade e a missão sublime do Movimento Gülen, é muito difícil acreditar – e, na minha opinião, parece pouco convincente – que o Movimento possa estar envolvido em qualquer complô, direta ou indiretamente, para ameaçar ou derrubar o governo eleito de Tayyip Erdogan.
Por mais de 40 anos, Gülen tem incentivado sua audiência, em todo o mundo, a alcançar equilíbrio para justiça social entre indivíduos e comunidade; desenvolver e melhorar em cada indivíduo e na nação sentimentos de amor, respeito, altruísmo, amor ao próximo, sacrifício de benefícios e aspirações materiais e não materiais pelo próximo. Nunca houve qualquer evidência de que o Movimento Gülen tenha tentado obter qualquer tipo de poder político ou material em qualquer lugar do mundo, especialmente na Turquia.
Publicado em The Frontier Post, 2 de abril de 2014.