março 31, 2014
Um Movimento que Produz seus Próprios Valores
Enes Ergene
O Movimento Gülen não surgiu a partir dos valores de um movimento passado ou período de crise. O Movimento produziu sua própria aparência, estrutura, valores sociais e morais e instituições. Nenhuma escola de pensamento teve uma influência dominante na dinâmica estrutural, religiosa ou espiritual deste movimento.
É inegável que as Risale-i Nur (Epístolas da Luz) alimentaram as dinâmicas internas do movimento tanto em termos espirituais quanto intelectuais. As Risale-i Nur são um conjunto de livros sobre a crença e fé islâmica em séculos recentes, que tiveram uma grande influência socioespiritual nas massas, na Turquia. Neste aspecto, sua influência sobre a comunidade de muçulmanos turcos é clara e evidente. Este conjunto de livros pode não ter uma estrutura organizacional encontrada em trabalhos científicos contemporâneos, mas pela maneira em que trata dos assuntos e pela maneira em que oferece soluções fundamentais para a vida pessoal e social, afeta as massas mais rapidamente e mais profundamente que outros trabalhos. As epístolas não somente estimulam a fé e o compromisso religioso, mas também inspiram sentimentos de solidariedade e cooperação. Esta é a contribuição das Risale-i Nur para o Movimento Gülen.
As dinâmicas sociais e as dinâmicas relacionadas às ações do Movimento Gülen foram moldadas em torno do forte caráter espiritual de Gülen, seus ensinamentos articulados e sua ampla esfera de influência social. Isto é o que queremos dizer quando falamos que “o movimento se origina de si mesmo”. É verdade que as atividades religiosas e a missão do Movimento são alimentadas pela consciência islâmica, tradições históricas e experiências passadas dos muçulmanos. Porém, para apresentar estas experiências históricas diversas e os valores decretados pelas essências da fé com uma nova face, interpretação e ação – e, assim, confrontar ganhos e experiências contemporâneas – é necessário incorporar um vasto conhecimento científico e ter a habilidade de interpretar e prover critérios para práticas contemporâneas. Neste ponto, o grande conhecimento, experiência e intelecto de Gülen têm um papel importante. Seus ensinamentos unem passado e futuro – religião e práticas sociais. Ele nunca olhou uma situação corrente ou o futuro incerto sem levar em consideração as heranças do passado. Abaixo, tentaremos interpretar sua idealização da Idade da Felicidade (Asr-i Saadet) [1]. Esta idealização, na verdade, manifesta sua lealdade ao Islã e a profundidade de suas atividades religiosas. Por sua vez, a questão não é uma mera interpretação da tradição, que teria feito o esforço intelectual mais estreito. Em vez disso, sua vida representa completamente os valores que ele professa. Ou seja, ele pratica o que prega.
Assim como outros movimentos, há uma tendência de se comparar o Movimento Gülen com outros movimentos e em categorizá-lo junto com grupos islâmicos. De acordo com algumas análises ocidentais, as bases de todo radicalismo religioso estão na Irmandade Muçulmana, no Egito, e no Jamaah Islamiya (o grupo ou sociedade Islâmica), no Paquistão. Mesmo a revolução no Irã é considerada um braço radicalista destes movimentos. A maioria dos movimentos religiosos, no mundo muçulmano, são analisados como se eles compartilhassem similaridades com a Irmandade Muçulmana ou com o Jamaah Islamiya paquistanês. É verdade que este dois movimentos foram uma fonte indireta de inspiração para os movimentos recentes de renovação religiosa/política no mundo muçulmano; contudo, não é possível falar de níveis significativos de influência destes movimentos nas comunidades islâmicas na Turquia. A base do Movimento Gülen não representa nenhuma classe econômica ou grupo étnico, ao contrário de movimentos islamistas em outros países. As massas nas quais ele se baseia, vis-à-vis determinantes sociais e religiosos, não são formadas por seções oprimidas ou excluídas da sociedade. O Movimento tem apoio tanto de seções rurais quanto urbanas da sociedade, e seu nível mais básico é formado por indivíduos da classes média-baixa, média e alta. Os atores principais do Movimento vêm de classes escolarizadas, indivíduos educados em grandes cidades e universidades de primeira classe. Eles não carregam nenhum sentimento de vingança contra a elite governante, nem contra os círculos socioeconômicos que, supostamente, têm valores ocidentais. Por esta razão, eles não expressam uma separação radical, uma “formulação de uma ideologia oposicionista,” como observado em movimentos clássicos. Em todos os campos, em vez de formular um alternativa, o Movimento adota a formulação de soluções, uma fórmula que é reconciliadora e aberta à negociação. Desde o princípio, o Movimento Gülen não tem buscado ou alcançado uma identidade política. Ao contrário, o Movimento tem sido criticado por alguns círculos religiosos por ficar fora da política mais do que o necessário.
[1] Asr-i Saadet se refere ao tempo do Profeta Maomé, a paz esteja com ele.