Correio Braziliense
Entrevista com Fethullah Gulen
O escritor, pensador e educador Fethullah Gulen, 75 anos, nasceu em Erzurum, no nordeste da Turquia, e hoje vive em exílio autoimpostos na Pensilvânia (Estados Unidos). Líder do Movimento Hizmet – devotado ao bem comum, ao diálogo inter-religioso e intercultural e à educação -, Gulen é apontado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan como a artífice da tentativa de golpe militar da última sexta-feira. No dia seguinte, Gulen concedeu uma entrevista à imprensa internacional, cujos trechos principais foram reproduzidos abaixo, e classificou as acusações de Ancara de ‘caluniosas’. O clérigo do islã moderado disse que sempre foi favorável à democracia e que jamais se posicionou a favor da intervenção militar. ‘Este não é método para assegurar a democracia’, afirmou. No entanto, admitiu não conhecer os próprios seguidores. ‘Podem haver simpatizantes por uma causa. Eu digo, com toda a sinceridade, que não conheço nem um por cento dos meus seguidores’, comentou. ‘Eu não posso afirmar que esse golpe foi um teatro do governo, sem ter provas para isso pois seria calúnia. Mas a Turquia já viveu isso no passado’, acrescentou, em declarações concedidas pouco antes da entrevista.
O senhor tem preocupação em relação ao futuro da Turquia?
Eu gostaria que vocês, com a a mente aberta e uma ampla compreensão dos fatos, fizessem uma avaliação e me respondessem se a Turquia, realmente, é um país democrático. Eu disse que a democracia está em pane há anos. Eu declarei ser republicano muito antes deles. Fui atacado com alegações de golpe por jornais do governo. Há anos, eu afirmei não existir retorno e da democracia. Naquela época, eles (atuais governantes da Turquia) estavam contra a república e contra a democracia. Também falavam contra o laicismo. Atualmente, a Turquia é democrática ou não? Eu deixo resposta para vocês.
Na sexta-feira, houve um momento n em que o golpe considerado a foi quase bem-sucedido. O senhor pensou em voltar ao seu país?
Tenho saudades da Turquia, mas muitas vezes penso em permanecer aqui. Há dois anos que eu não saio desse prédio. Vivo em os um retiro. Aqui, as pessoas não incomodam muito a minha vida e minha liberdade. A liberdade é muito importante. No sistema jurídico islâmico e no sistema moderno existem cinco ou seis coisas sagradas para se preservar. Uma delas é a liberdade. Por estar me sentindo livre, pretendo ficar aqui. Eu vivenciei golpes militares, fui detido em alguns deles. Quando houve o golpe de 28 de fevereiro de 1997, eu tinha vindo aos EUA para um tratamento médico. Logo em seguida, houve as acusações e os ataques de junho de 1999, eles ficaram com muita raiva, abriram e processos, mas fui absolvido. Todas as pessoas têm preferência de ficar em lugares onde possam viver em liberdade e com livre-arbítrio. Os golpistas sempre têm me oprimido e pressionado. Se eu for a ar para lá, as pessoas que me convidam para voltar podem me deter. As vezes, a inveja e o ciúme fazem o ser humano cometer grandes maldades, piores que a depravação e a descrença.
O senhor gostaria de mandar alguma mensagem ao povo turco e ao presidente Erdogan?
Erdogan rejeita minhas mensagens, por considerá-las insultos. Desde sexta-feira, ele atribui golpe amargamente a nós. Por esse motivo, eu acho que ele não aceitaria nem as mensagens de melhores intenções minhas. Para o povo turco, posso dizer o seguinte: no golpe de 27 de maio de s 1960, eu ainda não tinha prestado o serviço militar. Eu era pregador numa mesquita de Edirne. Sofri com esse golpe militar. No golpe de 12 de março de 1971, eles me prenderam. Depois, fui absolvido. No golpe de 12 de setembro de 1980, começaram a me perseguir, mas decidiram não me processar. No golpe de 28 de fevereiro de 1997, o promotor Nuh Mete Yuksel abriu um processo contra mim. Os golpes não salvam a república e não mantêm a democracia, não permitem que a Turquia se integre ao mundo. Nesse ponto de vista, sempre fui contrário a golpes.
Erdogan tem a intenção de ligar o Movimento Hizmet à violência, por meio do golpe?
Eu assisti pela televisão que embora confisquem as propriedades e organizações de gente que pertence ao Movimento Hizmet e persigam as pessoas de forma semelhante como faziam Hitler e as forças da União Soviética, nenhum de nossos amigos aumentou a voz. Nessas perseguições não ocorreu nem um décimo do que aconteceu em outros lugares. Professores, médicos, mulheres grávidas e com crianças de colo, foram levados para depoimentos algemados. A perseguição continuará, e as pressões aumentarão. Quando eles foram detidos, entraram na prisão sorrindo. Isso mostra que nosso povo tem bom caráter. Quando os dois lados forem colocados nas páginas da história, a verdade será revelada.
Publicado em Voz da Turquia, 20 Julho 2016