Emre Çelik*
O nome de Fethullah Gülen tem, progressivamente, alcançado maior audiência no Ocidente. Com reportagens em jornais como New York Times e 60 Minutes, o americano comum tem sido sutilmente exposto. Mas nos últimos dois meses, o nome de Gülen ganhou destaque na mídia mundial (por exemplo, na BBC, que publicou uma rara vídeo-entrevista). Agora há milhares de referências a seu nome. O mundo está prestando atenção.
No entanto, devemos ressaltar que a maior parte da cobertura da mídia pinta Gülen em uma narrativa política – esquecendo (ou ignorando) quatro décadas de atividades de defesa da sociedade civil, educação, diálogo, apoio à democracia e direitos humanos. Há mais em Gülen do que o paradigma político atual. Um pouco de história e perspectiva ajudarão a endireitar os fatos.
Gülen foi criado em uma família muito devota, no leste da Turquia, sob o Islã Sunita Tradicional. Ao mesmo tempo, foi imerso em vários ensinamentos sufistas. Recebeu treinamento em ciências espirituais e religiosas tanto em casa quanto sob a tutela de mestres religiosos e espirituais da região. Ele foi muito influenciado pelos trabalhos sufistas de Rumi e Yunus Emre.
Gülen também foi introduzido às Risale-i Nur (Epístolas da Luz) de Said Nursi, uma coleção de cerca de 6.000 páginas que tratava de fé, ciência e sua interdependência. Em uma seção Nursi fala de três doenças sociais no mundo muçulmano: ignorância, pobreza e desunião. Fala também da responsabilidade de todos os muçulmanos em superá-las. Gülen leva esta importante consciência social um passo além – esses três problemas sociais não são exclusivos dos muçulmanos, mas afetam toda humanidade e é incumbente a todos os muçulmanos ajudar às pessoas a aliviá-los, independentemente de raça, cor ou religião. Estas são as sementes intelectuais do Movimento Hizmet (Serviço) de Gülen.
No final dos anos 1960 e início de 1970, Gülen pregou estes ideais desde o púlpito da mesquita até às cafeterias locais em Izmir, a terceira maior cidade da Turquia, e acumulou seguidores – principalmente, entre empresários locais e, mais tarde, estudantes universitários. Sua eloquência e habilidade oratória; sua paixão e discursos cheios de lágrimas; seu amor pelo país; amor a Deus e ao Profeta Muhammad; amor pela humanidade; seu encorajamento a servir e seu desejo de quebrar o costume rígido de construção de mesquitas e madraças, inicialmente, levou um pequeno grupo de fãs a apoiarem o primeiro albergue e centro educacional nos anos 1970. Em suas viagens como pregador convidado, ele se tornou mais conhecido e popular em toda Anatólia. Projetos similares se iniciaram fora de Izmir. Ao mesmo tempo, em 1979, apoiadores começaram a publicar Sizinti (riacho ou fonte), uma revista dedicada a valores espirituais e ciência. Nos anos 1980, instituições começaram a crescer em tamanho e número. O primeiro colégio privado foi aberto em Istambul em 1986 – a Escola Privada de Ensino Médio Fatih.
No mesmo período, o jornal Zaman foi comprado, quando tinha uma circulação diária de aproximadamente 5.000 cópias. Hoje, ele é o jornal mais lido na Turquia com circulação diária de mais de 1,2 milhão de cópias. Em 2007, o jornal em inglês Today’s Zaman começou a ser publicado. Com o tempo, várias instituições foram fundadas e multiplicadas, entre elas: Escolas Preparatórias FEM; Universidade Fatih; Grupo Kaynak Publicações; Grupo Samanyolu de Televisão; e Kimse Yok Mu, uma organização de ajuda e apoio humanitário que agora serve mais de 100 países por meio de vários serviços sócias, projetos de construções comunitárias e trabalhos de alívio humanitário. Diálogo e a união de comunidades polarizadas são elementos essenciais da mensagem de Gülen e a primeira organização a juntar setores diferentes da sociedade foi a Fundação de Jornalistas e Escritores que uniu turcos e curdos; a direita e esquerda política; alevitas e sunitas; secularistas liberais e religiosos conservadores; muçulmanos e não muçulmanos. A Tuskon, uma federação nacional de empresas regionais e provinciais, agora tem a maior filiação na Turquia com organizações empresariais com numerosos escritórios internacionais, encorajando comércio e cooperação.
Todas essas instituições acrescentam à mistura de iniciativas de sociedade civil do Hizmet – todas com aqueles três problemas sociais em mente. Numerosas e variadas instituições que apoiam esses valores compartilhados surgiram, na Turquia, nos últimos 40 anos. No início dos anos 1990, com o fim da União Soviética, Gülen encorajou empresários a aceitarem desafios na Ásia Central. Dentro de pouco tempo, com a ajuda de empresários filantropos investindo na região, escolas foram abertas. Da mesma maneira, por meio do engajamento de empresários e estudantes universitários com minorias locais, as ideias de Gülen se espalharam, inicialmente, pela Europa, Austrália e América do Norte e, mais tarde, África, Ásia e América do Sul.
O modelo e ativismo positivo dos participantes do Hizmet foram cruciais nesse processo, tanto quanto o exemplo das instituições que floresciam na Turquia. Os artigos, livros, áudios e vídeos de Gülen também tiveram um papel intelectual importante.
*Presidente do Fórum Rumi
Publicado em Huffington Post, 7 de março de 2014.