Aydoğan Vatandaş
“É uma pena, pois qualquer pessoa que fizesse o mínimo de pesquisa, veria claramente que o EIIS [Estado Islâmico no Iraque e Síria] não segue os ensinamentos do Islã” afirmou Joyce Davis* ao falar sobre os comentários preconceituosos de Bill Maher, que, de forma simplista, associou o EIIS à religião islâmica em um programa de TV na última semana. Davis é presidente do World Affairs Council of Harrisburg, parte do World Affairs Council of America, com sede em Washington, D.C. Ela é autora de dois livros sobre Islã e escreveu extensamente sobre assuntos internacionais e política externa americana.
Davis diz que há muita ignorância sobre os ensinamentos do Islã e uma inabilidade, em vastos segmentos da sociedade americana, de distinguir entre extremistas e muçulmanos devotos. “Muitos americanos veem muçulmanos como violentos, antiamericanos etc. Eles não conhecem o grande débito que a civilização mundial tem com pensadores muçulmanos, de matemáticos a filósofos. Eles ignoram a história da fé islâmica e porque ela atrai mais de 1 bilhão de pessoas”, Davis afirma.
Ela acredita que promover relações pacíficas entre povos e uma visão tolerante e amorosa do Islã ajudará a reduzir a violência no mundo muçulmano por oferecer um exemplo diferente sobre o Islã, especialmente aos jovens. “Vozes moderadas, como a do Movimento Gülen, são extremamente necessárias para que muçulmanos e não-muçulmanos tenham uma visão mais acurada dos ensinamentos do Islã”, acrescentou.
A senhora poderia nos falar sobre a imagem e percepção sobre “muçulmanos” na mentalidade ocidental?
A percepção sobre muçulmanos, no Ocidente, varia muito dependendo da educação e sofisticação internacional do indivíduo. Pessoas que não são viajadas e não são bem educadas, em geral, têm percepção e entendimento errôneos sobre o Islã e sobre muçulmanos. Há muita ignorância sobre os ensinamentos do Islã e uma inabilidade, em vastos segmentos da sociedade americana, de distinguir entre extremistas e muçulmanos devotos. Muitos americanos veem muçulmanos como violentos, antiamericanos etc. Eles não conhecem o grande débito que a civilização mundial tem com pensadores muçulmanos, de matemáticos a filósofos. Eles ignoram a história da fé islâmica e porque ela atrai mais de 1 bilhão de pessoas. Essa ignorância continuada sobre o Islã na américa persiste apesar do acesso online a fontes de informação competentes em inglês e da disponibilidade da rede Al-Jazeera na TV a cabo. Infelizmente, apesar de os americanos, agora mais do que nunca, terem fácil acesso a notícias e informação, muitos carecem da curiosidade e desejo de aprender e se beneficiar disso.
Na sua opinião, quais fatores criaram essa imagem e percepção?
Preguiça intelectual e isolamento cultural são as principais razões para a falsa percepção sobre muçulmanos. Além disso, a mídia de massa, frequentemente, dá ênfase a notícias e estereótipos negativos que alimentam a ignorância que é tão evidente na sociedade americana sobre o mundo muçulmano.
Como a senhora definiria islamofobia? Ela está aumentando nos Estados Unidos?
Islamofobia é o medo e desconfiança de muçulmanos e do Islã. Ela, certamente, aumentou após o 11 de Setembro e acontecimentos provocatórios, como as notícias sobre a brutalidade do grupo conhecido como EIIS ou EI, com certeza, contribuíram para o aumento continuado da islamofobia. No entanto, há muitos esforços inter-religiosos nos Estados Unidos com o objetivo de reduzir esse medo e ajudar as pessoas a ganharem respeito pelo Islã e outras religiões.
Mas a senhora acredita que sempre houve islamofobia no Ocidente?
É verdade que há uma longa cautela sobre muçulmanos no Ocidente, especialmente na Europa, que sentiu sua cultura ser ameaçada pelo dinamismo das civilizações islâmicas no norte da África e no Oriente Médio. De certa forma, muçulmanos têm mais proteção nos EUA por causa das leis de proteção à liberdade religiosa. Porém, apesar de haver mais proteção legal e reconhecimento oficial do Islã nos EUA, a ignorância tão difundida entre as pessoas comuns cultiva desconfiança e medo.
A senhora acredita que a simplificação e descaracterização do Islã na mídia americana impactou a consolidação da islamofobia na América?
A descaracterização do Islã e o fracasso da mídia em educar os americanos sobre essa importante religião mundial, definitivamente, alimentou a desconfiança e medo que alguns americanos sentem pelo Islã. Infelizmente, a mídia americana passou por mudanças profundas durante a recessão econômica, que levou à redução no número de editores e forçou repórteres a sensacionalizar reportagens para atrair leitores online. Hoje em dia, repórteres também precisam se dedicar às redes sociais, com fotos e vídeos, além de escrever suas próprias matérias. Poucos têm tempo para realmente pesquisar e desenvolver reportagens cuidadosas. Não há dúvida de que os cortes nos jornais e agências de notícias nos Estados Unidos todo ferem a democracia americana e ameaçam a estabilidade global. Em seu livro “Confronting Islamophobia in Educational Practices” [Confrontando Islamofobia em Práticas Educacionais], Barry Van Driel diz que a islamofobia é encontrada no espectro educacional dos Estados Unidos e afirma que os livros de ciência e humanidades, frequentemente, contém mensagens anti-islâmicas implícitas. Ele também nos lembra que eruditos islâmicos notáveis, como Muhammad al-Khwarizmi (um dos fundadores da álgebra) e Jabir al-Hayyan (que influenciou o desenvolvimento da química) estão, conspicuamente, ausentes dos livros escolares americanos.
Na sua opinião, como essas práticas impactam a islamofobia?
Alunos americanos, mesmo no ensino médio, aprendem muito pouco sobre pensadores islâmicos e mesmo sobre filósofos e intelectuais orientais. Essa falta de conhecimento sobre a história de outros povos e sua contribuição para a civilização mundial é evidente entre os alunos americanos. Muitos alunos não sabem que um pensador muçulmano inventou a álgebra ou fez avanços significativos para a ciência e matemática. Muitos não conhecem grandes trabalhos literários escritos por autores de outras culturas ou gênios artísticos de fora das culturas ocidentais.
O que a senhora acha sobre os argumentos de Bill Maher em associar, de forma simplista, o Estado Islâmico no Iraque e Síria (EIIS) à religião islâmica?
É uma pena, pois qualquer pessoa que fizesse o mínimo de pesquisa, veria claramente que o EIIS [Estado Islâmico no Iraque e Síria] não segue os ensinamentos do Islã.
Em seu livro “Martyrs: Innocence, Vengeance and Despair in the Middle East” [Mártires: Inocência, Vingança e Desespero no Oriente Médio], a senhora lança luz sobre a motivação por traz do terrorismo e atual violência no Oriente Médio. O que a senhora nos diria sobre o que leva essas pessoas ao terrorismo?
Digo à audiência que, quando falo sobre extremismo, nenhuma religião ou cultura tem monopólio sobre o abuso ou mal uso da religião. O KKK, uma organização que aterrorizou afro-americanos e judeus por décadas, se dizia defensora do cristianismo e dos valores americanos. Contudo, americanos sabem que isso não é verdade. O EI e outras organizações que chamam a si mesmas islâmicas, de maneira semelhante, destorcem os ensinamentos do Islã e não fazem justiça aos milhões de muçulmanos bons e devotos em todo o mundo.
Do seu ponto de vista, o que distingue o Sr. Fethullah Gülen e o Movimento Hizmet?
A visão do Sr. Gülen sobre o Movimento Hizmet é encorajar seus seguidores a servir ao mundo e espalhar a filosofia de tolerância e não-violência. Em nossa comunidade, aqueles associados ao Movimento Hizmet apoiam fortemente os esforços para ajudar aos pobres, para cooperar com oficiais eleitos de todos os partidos e encorajar solidariedade entre pessoas de religiões e culturas diversas. Pessoas associadas ao Movimento Hizmet, em nossa comunidade, patrocinam jantares comunitários, apoiam organizações sem fins lucrativos e promovem o conhecimento sobre a Turquia e o povo turco. Elas são membros estimados e altamente respeitados em nossa comunidade.
A senhora acredita que o púbico americano conhece o Movimento Gülen?
Não, não acredito que o público americano conheça o Movimento Gülen. Na verdade, a maioria das pessoas na Pensilvânia não conhece o Sr. Gülen ou o Movimento Hizmet.
Na sua opinião, de que forma a visão do Sr. Fethullah Gülen ajuda a reduzir a violência no mundo muçulmano?
Promover relações pacíficas entre povos e uma visão tolerante e amorosa do Islã ajudará a reduzir a violência no mundo muçulmano por oferecer um exemplo diferente sobre o Islã, especialmente aos jovens. Vozes moderadas, como a do Movimento Gülen, são extremamente necessárias para que muçulmanos e não-muçulmanos tenham uma visão mais acurada dos ensinamentos do Islã.
O que a senhora acha sobre os esforços do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em prejudicar o Movimento Gülen na Turquia e no mundo?
É uma pena que o Sr. Erdogan tenha sido gravado acusando o Sr. Gülen e os turcos que apoiam a visão dele de um mundo mais pacífico. O Sr. Erdogan está fazendo um grande desserviço à Turquia e à imagem desta no mundo ao tentar vilipendiar o Movimento Hizmet sem justificativa. A campanha do Sr. Erdogan contra compatriotas turcos em todo o mundo fere a seu país e a posição e seu governo perante a Europa e os EUA.
*Perfil: Joyce Davis é presidente do World Affairs Council of Harrisburg, parte do World Affairs Council of America, com sede em Washington, D.C. É autora de dois livros sobre o islã e escreveu extensamente sobre assuntos internacionais e política externa americana. Trabalhou por mais de trinta anos como jornalista, foi correspondente internacional e editora em grandes agências de notícias, incluindo a National Public Radio e a Knight Ridder Institute of Peace. Davis também foi palestrante na Academia Naval Americana, na Agência Nacional de Segurança (NSA), na Escola de Governo John F. Kennedy e muitas outras universidades e agências internacionais. Entre seus prêmios e condecorações estão a Condecoração de Honra por Serviços pelo Fórum Aberto da Secretaria de Estado Americana e o Prêmio Liberdade de Expressão do Muslim Public Affair’s Council. Além disso, ela recebeu duas vezes um dos maiores prêmios em jornalismo, o Prêmio DuPont Columbia por jornalismo internacional. Recebeu, também, doutorado honorário em relações internacionais pela Universidade Internacional do Quirguistão por seu trabalho sobre o avanço da liberdade expressão em países da ex-União-Soviética.
Publicado em Sunday’s Zaman, 19 de outubro de 2014.