novembro 07, 2019

Caça às bruxas de Erdogan chega às costas brasileiras

Arif Akdogan

A Turquia e o Brasil já foram mencionados na mesma lista de estrelas econômicas e políticas crescentes no início dos anos 2000. Nos anos seguintes, a Turquia caiu vertiginosamente, tanto política quanto economicamente. No recém-divulgado relatório Liberdade no Mundo, da Freedom House, a Turquia é classificada como “não livre”, enquanto o Brasil continua “livre”.

Nesse contexto, fiquei triste ao saber que agora o Brasil considera ceder e aceitar os pedidos da Turquia de extraditar cidadãos brasileiros de origem turca para a Turquia, onde enfrentarão prisão, tortura ou coisas piores. Imploro fortemente ao Brasil e a seus líderes para não cederem às exigências de um ditador florescente, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Nos anos 2000, a Turquia atraiu a atenção não só com a economia em expansão, mas também como uma democracia majoritariamente muçulmana. Mas, após a sua terceira vitória eleitoral, em 2011, Erdogan deu uma guinada autoritária. Em cinco anos, os grandes negócios, a mídia e o Judiciário caíram como dominós sob o seu controle. A lamentável tentativa de golpe, de 15 de julho de 2016, deu a Erdogan a oportunidade de dominar as Forças Armadas.

Com poder acumulado, Erdogan usou o incidente como desculpa para expurgar, prender e perseguir centenas de milhares de cidadãos inocentes, incluindo jornalistas, curdos, alevitas, kemalistas, ambientalistas e empresários que rejeitaram se curvar a ele. Mas seu alvo principal tem sido os participantes do Hizmet, amante da paz, do qual me sinto abençoado por fazer parte.

Como uma pessoa que expressou seu compromisso com a democracia e a rejeição a golpes militares décadas atrás, condenei a deplorável tentativa de golpe enquanto ela estava em andamento. Mas, minha condenação e rejeição a qualquer tentativa antidemocrática de remover um governo eleito, e meu convite a Erdogan para que permitisse uma investigação internacional imparcial sobre o incidente, não receberam nenhuma resposta. A perseguição a centenas de milhares de cidadãos sem qualquer evidência de crime agora está sendo levada para países em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Erdogan usa o corpo diplomático e os recursos do Estado turco para pressionar governos estrangeiros a deportar membros do Hizmet para a Turquia, em violação ao direito internacional e aos direitos humanos. Seus esforços para me extraditar dos EUA - onde moro desde 1999 - usando meios ilegais, tomaram as notícias mundiais.

Esforços semelhantes estão em andamento em todo o mundo contra membros do Hizmet, mas com muito menos atenção. Não apenas os EUA e os países europeus, mas várias nações em todo o mundo recusaram as exigências de Erdogan, reconhecendo que elas são motivadas politicamente. A Turquia agora considera que ser associado ao Hizmet é um crime, um exemplo clássico de culpa por associação.

Alguns países, incluindo EUA, Reino Unido, Canadá, Alemanha e Noruega, registraram a natureza política das acusações de Erdogan em documentos públicos e veredictos.

Condeno veementemente o esforço de Erdogan para pressionar o Brasil a extraditar cidadãos brasileiros de origem turca para a Turquia. Confio que o Judiciário brasileiro reconhecerá a verdadeira natureza de suas alegações falsas, motivadas politicamente e agirá de acordo com as leis brasileiras e internacionais.

Confio que o governo brasileiro enviará uma mensagem clara a Erdogan de que seus esforços para estender sua caça às bruxas para o mundo não são aceitáveis. Peço que o dinâmico povo brasileiro grite: “Você não pode fazer isso aqui”. Rezo para que a Turquia, em breve, possa restaurar suas instituições democráticas, os direitos humanos e as liberdades fundamentais. E rezo para que o relacionamento do Brasil com a Turquia possa ser construído sobre uma base de respeito e crescimento mútuos, e a preservação da dignidade dos povos turco e brasileiro.

* FETHULLAH GÜLEN É CLÉRIGO MUÇULMANO MODERADO E LÍDER DO MOVIMENTO HIZMET

Publicado em Estadao, 03 de junho de 2019
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